domingo, 28 de novembro de 2010

Sistemas fanatizadores

Interioridade e os sistemas “fanatizadores”
As relações entre o homem e o divino durante os séculos III e IV lhe proporcionou o autoconhecimento e lhe garantiu o direito de ter uma vida interior, onde pudesse guardar sentimentos, dúvidas e sua verdadeira identidade.
No entanto, empresários passaram a investir na idealização ou alienação da sociedade, promovendo uma renovação no individualismo que suprime o sujeito e sua vida interior, levando-os a guardar suas dúvidas e agir friamente. Estamos vivendo sob controle de um sistema totalitário que age discretamente, mas no final, consegue moldar mentes a ponto de tornar-se o legitimador de sua existência. A empresa quer o lugar da religião, imprescindível em uma sociedade por lhe dar significados e planos maiores do que o homem, e se antes era necessário o exercício espiritual para alcançar a plena satisfação pessoal, a organização promete fazê-lo sem maiores esforços.
Por outro lado, há ainda a ação de antigas religiões, que tentam trazer de volta os aspectos extremistas que também exige uma idealização, que exigem fé e proíbem o livre pensamento. Todas as religiões idealizadas defendem a necessidade da procura pela divindade em seu interior, mas aquelas em que há aspectos extremos não se preocupam com essa busca pela interioridade de cada um. Surge aqui outro controle totalitário que utiliza o fanatismo religioso gerado pela alienação banindo a individualidade.
Quando a espiritualidade ou interioridade não consegue manipular os indivíduos, passa-se a utilizar o corpo que tem sido vista cada vez mais de uma forma de se auto-promover na sociedade, trazendo realização pessoal e profissional.
Toda essa manipulação irracional não cria uma nova cultura, mas acentua novos cultos, tendo como conseqüência a criação de identidades compactas onde cada um sente-se capaz de ser alguém com história, tradição, memória coletiva e que age de acordo com essa memória. Mas surge o narcisismo, o ódio de si que desenvolve a xenofobia e o racismo e muitos outros males atuais.
Tornamos-nos uma sociedade cheia de culpa e vergonha nesse mundo do fazer e da aparência, e quanto mais vivermos nesse mundo, mais vergonha haverá enquanto a culpabilidade desaparecerá.
No entanto, a interioridade pode remanescer, pois os ideais necessários para a sociedade podem existir sem que haja o fanatismo, e todos os nossos problemas e obstáculos podem superados dependendo apenas da nossa vontade. Ainda há quem se recusa a viver de acordo com os conceitos dos “fanatizados” e encontra-se em uma situação onde, por não viver regido pelas regras impostas, é esquecido e posto de lado. Se a sociedade atual nos leva a evitar a nós mesmo e aos outros, buscando realização por meios irracionais, onde o consumismo prevalece e as pessoas perdem sua importância, cabe a nós mesmos nos voltarmos contra esses ideais e lutarmos a favor daquilo que nos é mais valioso e que muitos têm deixado de lado: o nosso interior, aquilo que parecia ser impossível de ser tirado, mas que vem sido violentamente arrancado de nós. A empresa, a igreja extremista, a mídia não pode nos obrigar a sermos uma fraude, pois ainda temos o domínio sobre nossos pensamentos, atos e identidade.

Texto de referência: “A interioridade está acabando?” – E. Enriquez – In: Psicossociologia: análise social e intervenção, Machado, M.N.M, Castro, E.M.; Araújo, J.N.G.; Roedel, S. (orgs.), São Paulo: Autêntica, 2001.

Nenhum comentário:

Postar um comentário