Modernidade
Hoje em dia discute-se muito se estamos ainda na modernidade ou na pós-modernidade. Porém vai além do seu significado linguístico, trata-se de uma questão polissêmica, que abrange vários fatores, desde a psicanálise até a estética. Estas leituras provêm principalmente dos Estados Unidos e da França, que defendem o termo pós-moderno e moderno, respectivamente. Isso se dá devido ao contexto histórico de cada país e seus desdobramentos: Na Europa foi onde se construiu a modernidade, e portanto, onde existe um maior desdobramento de suas características partindo dos mesmos pressupostos; já nos Estados Unidos, descreve-se como pós-modernidade referindo-se a uma oposição à modernidade, uma ruptura fruto do modelo da cultura norte-americana.
Existem ainda outros termos como “supermodernidade”(Georgies Balandier), “modernidade tardia”(Anthonie Giddens) ou “modernidade reflexiva”(Ulrich Beck), que exprimem todos uma descrição diferente de encarar, mas os pressupostos são os mesmos.
Para entender melhor a psicanálise dentro da modernidade, discute-se o auto-centramento do eu e da consciência, pondo o homem no centro do mundo. Portanto, a individualidade é a característica fundamental que a define, diferenciando esta de toda a era submissa à “totalidade do cosmos” e aos dogmas de Deus, em que o indivíduo se submetia às tradições.
Na modernidade, o indivíduo passa a ter valor próprio, criando uma teoria de sentimentos e uma estética, que colocam o eu em uma posição central, representando a individualidade como uma massa de sentimentos centrada no eu. Ou seja, a relação com o outro e consigo mesmo oscila, assumindo uma posição narcisista; e o liberalismo tem papel na definição dos ganhos e perdas da individualidade e na demarcação de territórios das relações com os outros na sociedade.
Nesse contexto, a ciência passa a representar a verdade em detrimento das discussões filosóficas e teológicas, atribuindo ao homem soberania e autonomia diante da natureza e dos dogmas divinos, sendo a tecnologia o instrumento de exercício da sabedoria e prova da verdade pela razão científica. Isso quer dizer que o homem passa a se auto-afirmar onipotente no universo, independente e livre da cultura da Antiguidade.
Modernismo
No modernismo, essa onipotência passa a ser questionada, iniciando-se a suspeita da consciência. Três foram os anunciadores dessa ruptura: Nietzsche, no campo das verdades, afirmando que estas são produzidas pelas relações de força entre os homens, em detrimento da soberania do eu na razão; Freud, no campo das pulsões, que descentraliza a sexualidade do consciente, colocando o eu à mercê do inconsciente; e Marx, no registro econômico, afirmando a descentralização da consciência na política e na economia, representado pela luta de classes.
Ou seja, o eu perde sua soberania e a consciência passa a ser encarada como um jogo de forças, o que se faz criar atração pelo que é novo, abrindo a cabeça do homem para um um mundo além da sua própria razão. Essa é a segunda marca do modernismo, num mundo em transformação contínua, a atualidade se torna essencial para guiar o indivíduo no campo social. Isso corresponde dizer que o modernismo foi uma crítica à modernidade, assim como a invenção da psicanálise.
Desejo
Um dos fatores fortemente correlacionados à descentralização do sujeito foi a descoberta do inconsciente, enunciada por Freud como a terceira ferida narcisista da história, antecedida pelo detrimento da Terra como centro do universo (heliocentrismo) e pela prova da espécie humana como parte de uma evolução (darwinismo).
Com a descentralização, entra em cena o desejo. Este pode ser figurado como algo que move o sujeito à busca, ao mesmo tempo em que este objeto lhe foge do alcance. O desejo é o valor fundamental do modernismo, ligando-o ao fascínio pela atualidade e novidade e influindo em duas figuras: o movimento artístico da vanguarda e a revolução, no contexto político. Isso mostra que foi o desejo o motor dos processos revolucionários que transformaram a sociedade do século XX.
Nesse contexto, encontra-se um paralelo entre o desamparo como produto da modernidade e o fascínio pela transformação, fruto do desejo e descentramento. O modernismo revela a problemática dessa subjetividade, ou seja, “o modernismo é um sintoma da modernidade”.
Figura Paterna
Como Freud enunciou, o desamparo se impõe como produtor e sintoma de perturbações psíquicas, contrariando a ideia de um indivíduo da modernidade que poderia dominar o mundo. Além disso, o desamparo não é algo que possa ser eliminado instantaneamente do sujeito, o que evidencia a imanência daquele à sociedade.
A partir disso, Lacan, em “Os complexos familiares na formação do indivíduo”, enunciou a relação que haveria com a imagem do pai na sociedade Ocidental e o desamparo produzido na modernidade. Seguindo essas duas leituras, pode-se perceber que a transformação da estrutura familiar que restringe o poder paterno é reflexo da dessacralização e extinção da figura teológica de Deus; ou seja, que o desamparo é resultante da “morte de Deus” e de dos produtos da modernidade.
O ser humano foi deixado à própria sorte, vítima das doenças nervosas e sem o amparo do pai (aqui figurado como a imagem desfalecida de Deus), constituindo a partir desse desamparo, sua base existencial. Apesar de haver várias leituras sobre a definição e desencadeamento da modernidade, a condição do sujeito da modernidade é sempre trágica, e, por essência, fundamentada pelo desamparo.
Texto de Referência: "A psicanálise e a crítica da modernidade”. IN: BIRMAN, Joel, Arquivos do mal-estar e da resistência.
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