Pontos fortes de reflexão do texto: Ambivalências da sociedade da informação
Ao falarmos de sociedade da informação ou do conhecimento é fundamental não perder de vista seu contexto econômico, para não supervalorizarmos o aspecto tecnológico, como se a face do progresso fosse a única. Trata-se do capitalismo extremamente concentrador de renda e poder.
O mundo tornou-se uma “pequena aldeia”, não tanto porque nos vemos comunicamos mais facilmente, mas porque as linhas de força se fizeram tanto mais convergentes. De uma parte, a interdependência dos povos e pessoas pode repercutir em graus maiores de liberdade, à medida que todos estamos no mesmo barco, mas, de outra, pode produzir amarras ainda mais rígidas, quando sua dinâmica foge ao controle da maioria, concentrando-se, como privilégio extremo, em poucas mãos.
Em nada mudou o fenômeno da mais-valia, ainda que sua dinâmica esteja marcada por outro momento histórico, no qual a produção e o uso intensivo de conhecimento se tornaram a mola mestra.
Informar para desinformar
É já comum a queixa de que estamos entupidos de informação, cercados de um bombardeio do qual já não temos qualquer controle. Pensamos que se trata de informação, mas na verdade trata-se de manipulação difícil de compreender. “Desinformar faz parte da informação, assim como a sombra faz parte da luz”. Se comparássemos a capacidade que temos de fazer guerra com a que temos de fazer paz, teríamos alguma noção de como a primeira está avançada e a segunda absurdamente atrasada. É sempre possível, pois, usar o melhor conhecimento para construir o mais refinado processo de imbecilização. Desinformar será, portanto, parte fundamental do processo de informação.
Como asseveram Maturana e Varela, a percepção está condicionada ao “ponto de vista do observador”, o que nos faz, ademais, prisioneiros de nossas próprias descrições.
Algo similar pode-se dizer do marketing, que representa estratégias inteligentes de convencimento sub-reptício, armadas com refinados processos de informação dirigida. Pode haver o lado da transparência, como quer Brin, mas dificilmente não predomina o lado da prepotência manipulativa. O problema da informação manipulativa, contudo, não deveria nos perturbar em demasia, porque lhe faz parte. Quando nos surpreendemos com efeitos manipuladores dos noticiários da televisão, por exemplo, damos um atestado de incrível ingenuidade, porque é impraticável informar com imparcialidade completa.
Em certo sentido, todo processo informativo é manipulador, porque seleciona a informação disponível, além de a interpretar hermeneuticamente. Esta é marca do conhecimento como tal: à medida que conhece a realidade, destaca nela o que o método pode captar, além de impingir interpretações orientadas pelo interesse, por vezes escuso. Como não é possível fugir da manipulação, o que de melhor conseguimos até hoje é montar estratégias abertas de controle, sabendo que controle total é impraticável, sobretudo indesejável. A contra-interpretação é o corretivo da interpretação, sempre sob risco, assim como a coerência da crítica está na autocrítica.
Destarte, a manipulação menos prejudicial é aquela que se oferece à discussão aberta. Falando, por exemplo, de noticiários da televisão, alguns diriam que o “Jornal Nacional” da Globo tende a ser “oficial”, no sentido de veicular o que favorece a ordem vigente. A seletividade manipulativa da informação aparece na ênfase sobre notícias favoráveis ao status quo, bem como na maneira de arrumar as notícias e na retórica e estética que as cercam, em particular nos locutores e efeitos especiais. É imbecilizante no sentido de que nos tolhe a visão crítica, fazendo-nos crer que a maneira mais atraente de dar notícia é a própria. Desfaz seu caráter disruptivo, induzindo-nos à acomodação. Outros noticiários também são manipulativos, por certo, mas podem, em seu ontraponto, conclamar algo de espírito crítico e, quando menos, não ser tão manipulativos. No pano de fundo de todos, tremula a bandeira certa do mercado: notícia de verdade é aquela que vende.
- Primeiro, a sociedade continua bastante “desinformada”, seja porque lhe chega tendencialmente informação residual, ou porque se lhe impõe informação oficial, ou porque se entope atabalhoadamente.
- Segundo, há informação de classe superior e inferior, cuja variação está em função como regra do poder aquisitivo de cada um. Alguém que pode assinar vários jornais e revistas tem, relativamente, melhores condições de comparar as diferentes fontes e cultivar um pouco mais de espírito crítico.
- Terceiro, abunda na praça informação imbecilizante, seja por conta da distorção por vezes clamorosa, mas igualmente pela exploração das futilidades da mídia, como são publicações que nada mais fazem do que esticar a mediocridade das novelas mostradas na televisão diariamente. A população, além de “ler” pouco, tende a ler banalidades, que, a título de passatempo, embotam o espírito crítico.
- Quarto, a mídia está muito distante de sua função pública, porque corresponde a um estilo afrontoso de apropriação privada, dirigida por trâmites comerciais estritos. Não existe qualquer controle público digno de nota que preserve os interesses do público. Sem recair na “censura”, sempre impertinente e no fundo equivocada, é preciso que a sociedade possa pressionar adequadamente a mídia, para que os interesses comerciais não sejam os únicos.
- Quinto, a potencialidade informativa dos novos meios de comunicação está ainda presa a acessos elitistas, e quando traduzida em teleducação, tende fortemente ao instrucionismo. Como bem mostra igualmente a biologia, o instrucionismo é intrinsecamente imbecilizante.
Conclusão
A inteligência está na habilidade de lidar com a ambivalência. Aprender é sobretudo saber pensar, para além da lógica retilínea e evidente, porque nem o conhecimento é reto, nem a vida é caminho linear. A informação não pode ser receita pronta, mas o desafio de a criar, mudar, refazer. O risco de manipulação é intrínseco, mas é no risco que podemos reduzir a manipulação. A sociedade da informação informa bem menos do que se imagina, assim como a globalização engloba as pessoas e povos bem menos do que se pretende. Na sociedade da mercadoria, mercadoria vem antes.
A informação é em si ambivalente, tanto em quem a pronuncia, quanto em quem a recebe. Em todos os momentos passa pelo filtro da subjetividade, além de sua dimensão estar limitada pelo aparato perceptor e conceitualizador. Mas é esta ambivalência que resgata sempre a possibilidade de criar, inventar. Se tudo fosse apenas lógico, seria apenas repetitivo. O mundo da informação é agitado, conturbado, porque é, ao mesmo tempo, intrinsecamente manipulado e impossível de ser totalmente manipulado.
Texto de referência: DEMO, Pedro. Ambivalências da sociedade da informação. Ci. Inf. [online]. maio/ago. 2000, vol.29, no.2
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