segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Agressão na Av. Paulista

Agressão gratuita na Av. Paulista reacende debate sobre violência

Jornal da Band

Sábado, 20 de novembro de 2010 - 19h14

pauta@band.com.br

A agressão gratuita sofrida por três jovens na Avenida Paulista esta semana reacende um antigo debate. O que pode levar adolescentes de classe média atitudes tão violentas? E como eles devem ser punidos?

Para muitos jovens, a agressividade é motivo de orgulho, assim como mostram vídeos postados na Internet por eles mesmos, em cenas de agressão a pessoas desconhecidas nas ruas, até mesmo com o tapete do próprio carro.

As cenas gravadas esta semana na Avenida Paulista, em São Paulo, chocaram todo o país. O ataque de um grupo de adolescentes a três jovens foi registrado pelas câmeras de vigilância de um prédio. Uma das vítimas foi atingida no rosto por golpes com duas lâmpadas fluorescentes. Ele foi salvo pelo segurança de uma loja, quando era agredido no chão, fora do alcance da câmera.

A agressividade de jovens de classe média não é novidade, já que casos como o do índio Galdino queimado vivo em Brasília, em 1997, ainda chocam. Os cincos estudantes que cometeram o crime disseram que pretendiam fazer apenas uma brincadeira. Eles foram condenados a 14 anos de prisão.

Há três anos, a empregada doméstica Sirlei Dias, que estava parada em um ponto de ônibus, no Rio de Janeiro, foi espancada por cinco universitários, de classe média alta. A justificativa foi que confundiram Sirlei com uma prostituta. Os cinco são processados por formação de quadrilha, roubo e lesão corporal, e estão em liberdade condicional.

No interior de São Paulo, um homem que andava de bicicleta foi atingido por uma tapetada, desferida por alunos de medicina de uma faculdade particular. Os estudantes são processados e foram expulsos da faculdade.

Buscar a violência como diversão sem qualquer noção de limites ou sensibilidade retrata uma enorme falta de estrutura familiar. A mãe de um dos agressores da Avenida Paulista, acha que não passou de uma briga de adolescentes.

Texto retirado do site http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=100000370343

Vídeo hospedado em http://www.youtube.com/watch?v=9hkfbyNaGvs&feature=fvst , Jornal da Cultura.

Todos os direitos reservados.

domingo, 28 de novembro de 2010

Sistemas fanatizadores

Interioridade e os sistemas “fanatizadores”
As relações entre o homem e o divino durante os séculos III e IV lhe proporcionou o autoconhecimento e lhe garantiu o direito de ter uma vida interior, onde pudesse guardar sentimentos, dúvidas e sua verdadeira identidade.
No entanto, empresários passaram a investir na idealização ou alienação da sociedade, promovendo uma renovação no individualismo que suprime o sujeito e sua vida interior, levando-os a guardar suas dúvidas e agir friamente. Estamos vivendo sob controle de um sistema totalitário que age discretamente, mas no final, consegue moldar mentes a ponto de tornar-se o legitimador de sua existência. A empresa quer o lugar da religião, imprescindível em uma sociedade por lhe dar significados e planos maiores do que o homem, e se antes era necessário o exercício espiritual para alcançar a plena satisfação pessoal, a organização promete fazê-lo sem maiores esforços.
Por outro lado, há ainda a ação de antigas religiões, que tentam trazer de volta os aspectos extremistas que também exige uma idealização, que exigem fé e proíbem o livre pensamento. Todas as religiões idealizadas defendem a necessidade da procura pela divindade em seu interior, mas aquelas em que há aspectos extremos não se preocupam com essa busca pela interioridade de cada um. Surge aqui outro controle totalitário que utiliza o fanatismo religioso gerado pela alienação banindo a individualidade.
Quando a espiritualidade ou interioridade não consegue manipular os indivíduos, passa-se a utilizar o corpo que tem sido vista cada vez mais de uma forma de se auto-promover na sociedade, trazendo realização pessoal e profissional.
Toda essa manipulação irracional não cria uma nova cultura, mas acentua novos cultos, tendo como conseqüência a criação de identidades compactas onde cada um sente-se capaz de ser alguém com história, tradição, memória coletiva e que age de acordo com essa memória. Mas surge o narcisismo, o ódio de si que desenvolve a xenofobia e o racismo e muitos outros males atuais.
Tornamos-nos uma sociedade cheia de culpa e vergonha nesse mundo do fazer e da aparência, e quanto mais vivermos nesse mundo, mais vergonha haverá enquanto a culpabilidade desaparecerá.
No entanto, a interioridade pode remanescer, pois os ideais necessários para a sociedade podem existir sem que haja o fanatismo, e todos os nossos problemas e obstáculos podem superados dependendo apenas da nossa vontade. Ainda há quem se recusa a viver de acordo com os conceitos dos “fanatizados” e encontra-se em uma situação onde, por não viver regido pelas regras impostas, é esquecido e posto de lado. Se a sociedade atual nos leva a evitar a nós mesmo e aos outros, buscando realização por meios irracionais, onde o consumismo prevalece e as pessoas perdem sua importância, cabe a nós mesmos nos voltarmos contra esses ideais e lutarmos a favor daquilo que nos é mais valioso e que muitos têm deixado de lado: o nosso interior, aquilo que parecia ser impossível de ser tirado, mas que vem sido violentamente arrancado de nós. A empresa, a igreja extremista, a mídia não pode nos obrigar a sermos uma fraude, pois ainda temos o domínio sobre nossos pensamentos, atos e identidade.

Texto de referência: “A interioridade está acabando?” – E. Enriquez – In: Psicossociologia: análise social e intervenção, Machado, M.N.M, Castro, E.M.; Araújo, J.N.G.; Roedel, S. (orgs.), São Paulo: Autêntica, 2001.

Poesia da Indentidade


"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo."

Clarice Lispector

"Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim."

Tabacaria - Álvaro de Campos (Pseudônimo de Fernando Pessoa)



"A única verdade é que vivo.
Sinceramente, eu vivo.
Quem sou?
Bem, isso já é demais ...".

Clarice Lispector


Narcisismo
"Sou eu em minha superioridade
Julgando ser o mais notável do universo
Sou eu em minha dominância, em minha vaidade
Na fantasia do poder de fama ter, de belo ser.

Sou eu condenado a admirar meu reflexo
Nas águas de um lago, para sempre
Em anseio, de sua atenção, no “olhe para mim”
Preciso desse reconhecimento, dessa afirmação.


Eu no meu pequeno mundo
De auto-suficiência, em querer sua
Confiança, a exigir sua admiração.

Sabe com quem está falando?
Sou eu no meu ego em ostentação,em autofilia
Patologicamente ou não, sou autocontemplação."

Lufague

O homem do século XXI

O HOMEM DO SÉCULO XXI: SUJEITO AUTÔNOMO OU INDIVÍDUO DESCARTÁVEL
Particularmente durante todo o século XX, vimos se afirmar a idéia de que o indivíduo devia e podia tornar-se um sujeito autônomo, sujeito histórico sujeito de direito, sujeito psíquico e sujeito moral, portanto, sujeito de suas ações. Pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948, o homem é reconhecido, na sua eminente dignidade, como tendo direito a ter direitos.

O cidadão é aquele que participa e tem uma voz ativa na vida política de seu país e possuem direitos, para que não sejam submissos inteiramente a alguém ou alguma entidade.
Para que o indivíduo pudesse tornar-se um ser histórico, foi preciso naturalmente que ele se tornasse um ser de direito, ou seja, alguém que desfrute de direitos (direitos políticos, direitos civis e, mais recentemente, direitos sociais) e, sobretudo que seja reconhecido como tendo o direito, como ser humano e como cidadão de um país, de gozar da totalidade dos direitos acordados (ou arrancados) ao conjunto dos cidadãos nacionais ou ao conjunto dos homens residentes num território. O sujeito de direito é, pois, um indivíduo considerado, respeitado frente a todos os outros e que está sob a proteção de uma lei semelhante para todos.
O nascimento do sujeito psíquico é mais recente. É à psicanálise que o homem moderno deve não apenas a descoberta crucial do inconsciente e, portanto, de sua divisão estrutural, mas sobretudo do reconhecimento em si de uma atividade psíquica intensa e contínua outorgando um grande lugar ao jogo das pulsões, dos sentimentos, dos desejos, das fantasias e dos processos de recalque, de idealização, de projeção, etc., que animam tanto a vida dos indivíduos como a do socius.
Pode-se, pois, concluir que o homem está no caminho de sua autonomia, de ditar a si mesmo as próprias regras e de ter uma visão otimista do futuro. O homem não teria mais necessidade de grandes transcendentes para conduzir a sua própria vida.

Mas, por outro lado, ao mesmo tempo, vê-se surgir três problemas fundamentais:
  • O reino do dinheiro, tornado um fetiche sagrado: Está ligado à submissão cada vez mais clara de todas as nações à lei do mercado mundial, produzida pela vitória da racionalidade instrumental. Submissão de todos ao reino do dinheiro.
    De certa maneira, podemos afirmar, sem risco de sermos contraditados, que o mundo atual se tornou sádico. Os antigos valores de mérito, trabalho, honra, prestígio e “a herança histórica, usada pelo capitalismo, inclusive a honestidade, a integridade, a responsabilidade, o cuidado no trabalho, o respeito aos outros” (Castoriadis, 1996), foram desvalorizados em prol de um único valor: o dinheiro. “Tudo se compra e tudo se vende.”
    Conseqüências ao nível coletivo: dissolução do vínculo social, exclusão ou “desvinculação social” (R. Castel, 1995), competição exacerbada, pilhagem do planeta, enfraquecimento dos movimentos sociais, diminuição das lutas sindicais. E, por outro lado, importância crescente das empresas, que querem ser “as instituições divinas”, e de suas conseqüências ao nível individual: os indivíduos devem se integrar, ou melhor, se identificar às organizações das quais fazem parte. Idealizá-las, colocando os valores organizacionais – seu próprio ideal do ego – no lugar dos seus próprios valores, transformar-se em instrumentos submissos, dóceis mesmo, e sobretudo acreditar, se lhe disserem e se eles se sentirem responsáveis enquanto sujeitos, que estão a caminho da autonomia.
    É a psicologização dos problemas que se coloca em prática. Uma instituição e uma organização não são menos organizadas ou geridas dentro dessa concepção. Se elas fracassam, é sempre ao indivíduo que a responsabilidade é imputada. Assim, os indivíduos estão sempre em situação de prova, em estado de estresse, sentem queimaduras internas, tomam excitantes ou tranqüilizantes para dar conta da situação,para ter bom desempenho, para mostrar sua “excelência” (entramos numa civilização de dopping); e, quando esses indivíduos não são mais úteis, eles são descartados apesar de todos os esforços despendidos.
    Para dizer algo sobre o futuro, que parece bem sombrio a esse respeito, as novas tecnologias favorecem a eliminação de milhares de pessoas no mercado de trabalho. A racionalidade instrumental e as estratégias financeiras atingem, pois, o objetivo: utilizar o sujeito, que acredita ser em grande parte autônomo, para superexplorá- lo e aliená-lo. O mundo atual tende a tornar-se o do crescimento do desprezo, da generalização da desconsideração, do desrespeito, da recusa da diferença a que tem direito todo ser humano.
  • Aumento do poder do estado: Se o indivíduo é submetido às estratégias financeiras, ele o é igualmente ao Estado do qual é cidadão. É certo que ele tem direitos no seu país, mas direitos que dependem apenas da boa vontade do Estado, mesmo daquele que é democrático. Deve respeitar e submeter-se a todas as leis, mesmo àquelas que lhe parecem injustas ou arbitrárias, e mesmo se for tratado como cidadão de segunda classe, como o são os trabalhadores informais da América Latina. O homem não deve ser apenas um trabalhador que contribui para a riqueza de sua nação, ele deve ser e querer ser um guerreiro. Não é sem motivo que E. Jünger, em seu livro Le travailleur et la mobilisation totale (1930), unificou as figuras do trabalhador e do guerreiro: todo trabalhador permite à sua nação ganhar, portanto ele é um guerreiro; todo guerreiro realiza um trabalho necessário à nação – preservá-la de outras ou de levantes internos –; ele é, portanto, um trabalhador.
    A democracia representativa triunfou. Mas, de fato, como vimos, é a regra do dinheiro que adveio. O que torna o sujeito menos dominado pelo Estado (exceto nas ditaduras) é substituído pela sua sujeição ao dinheiro.
  • Um “retorno” identitário ao grupo a que se pertence, e crença nos seus fundamentos: Uma reação no nível coletivo - Muitas pessoas tentam reencontrar suas raízes, retorno ao antigo como alguns costumes, modos e danças . Porém muitas vezes isso torna-se perigoso já que se antigamente tivemos momentos nada agradáveis a história da humanidade como por exemplo o nacionalismos da África negra que se traduz pela eliminação e pelo massacre de populações inteiras; a renovação dos integrismos religiosos, a proliferação de seitas, de comunidades fechadas (dos guetos), gangues de bairro etc.; enfim, um “espírito de corpo” pervertido.
    Se é importante respeitar as diversas culturas, como Lévy-Strauss sublinhou em Race ET histoire, no qual demonstrou que nenhuma cultura pode se orgulhar de superioridade em todos os domínios sobre outra. Uma reação no nível individual - vêem-se cada vez mais pessoas que se voltam à sua própria identidade, que cuidam apenas de “si”, de sua vida privada, de seus investimentos cotidianos, de sua família. O homem, então, não se sente mais fazendo parte de uma espécie humana e não participa mais do trabalho da civilização. Considera os outros apenas obstáculos ou objetos de prazer.
    Como observado por R. Sennett (1974) o homem acabou por se considerar um fardo, deprimido, desamparado vê nisso desculpa para recorrer às drogas, cria-se um sentimento de conformismo.
    O indivíduo não deve se perder no coletivo, deve manifestar plenamente sua individualidade e ao mesmo tempo trabalhar com os outros para construir alguma coisa. Nada pode ser feito sem envolvimento individual forte nas ações políticas, que são pensadas, discutidas. E as pessoas começam a crer.
Existem em nossas sociedades muitas mortes, mortes físicas, mortes psíquicas, mas é o amor – seja como amor total, seja como ternura, amizade, camaradagem, solidariedade, fraternidade – que deve nos animar. É preciso pensar não apenas na liberdade e na igualdade. A fraternidade é também alguma coisa de essencial. É a percepção real de que as sociedades não podem se fundar nem perdurar se não desenvolvem um mínimo de prazer, até o regozijo de estar junto.

“O Homem do século XXI: sujeito autônomo ou indivíduo descartável?” Eugène Enriquez, Université Paris VII In:RAE-eletrônica, v. 5, n. 1, Art. 10, jan./jun. 2006

A seita Daime




Sobre a seita Daime - Resumo de "No caminho das estrelas” In: Queda Livre, O. Frias Filho.


O texto descreve as experiências de um admirador da cultura do Daime, que vai em busca de respostas sobre a misteriosa seita pela Floresta Amazônica. Para ele, esta trata-se de um “inferno” absurdamente quente e habitado por uma legião de insetos. O destino final é Vila Mapiá, distante cerca de cinqüenta quilômetros da Boca do Acre. Ali habita uma interessante seita nativa, a Seita Daime, que se distigue pelo seu principal sacramento, a ingestão de uma bebida de gosto muito ruim e de difícil comparação, feito a base de plantas amazônicas que alteram a percepção psicológica.

O Santo Daime ficou famoso no final da década de 80, quando se soube que alguns artistas eram adeptos ao credo. Algum tempo depois, surgiram denúncias horripilantes sobre a religião como manipulação de menores, indução ao suicídio, emprego de anfetaminas e entre outras coisas horrendas. Dez anos depois, após algumas denúncias, a religião tornou-se mais misteriosa pelo fato dos artistas desgostosos com a seita não se pronunciarem mais sobre o assunto; entretanto a serenidade ostentada pelos fiéis, assim como o brilho presente no tom de pele e o brilho nos olhos funcionavam como combustível para a curiosidade sobre esta seita, que já possui sedes espalhadas pelas principais cidades do Brasil e até em alguns lugares no mundo.



A viagem era grande e a neurose em equipamentos para a proteção do aventureiro também, mas no fundo ele sabia que estes possuíam maior valor psicológico confortante a ele do que utilidade mesmo. Com o tempo esse pavor foi se atenuando, e o aventureiro foi vendo que a floresta não era tão apavorante quanto estava idelizada em sua mente, e assim a preocupação passou a focar-se em seu contato com o líder da seita.

A seita do Santo Daime após ter se tornado “mal falada”, tornou-se algo muito secreto e de difícil acesso, afirmando que o seu primeiro contato com a bebida sagrada foi difícil de ser obtido, pois como dito por um dos montes da doutrina “O Daime é para todos, mas nem todos são para o Daime”. Por isso o Daime apesar de possuir alguns efeitos colaterais, desperta grande interesse de muitos gerando muitas expectativas a respeito dos efeitos psicológicos durante e pós-efeito da bebida sagrada.



Surpreendido pela presença do famoso cartunista Glauco Vila Boas como guru em um dos cinco pontos mantidos pelo Daime na periferia da cidade de São Paulo, Céu Maria, deparou-se com uma estrutura precária e uma vista exuberante da metrópole. Todos se encontravam vestidos de acordo com sexo, estado civil e cargo no clã, no qual eram separados em grupos, então ao som de hinários, cantados a plenos pulmões de maneira vivaz, o Daime é tomado de hora em hora em um templo. O templo bem precário se encontra cheio de “fardados”, fiéis que passaram pela cerimônia da doutrina, o local fica parecendo com um sabá de bruxos, um congresso de maçonaria, formado por pessoas de diversas idades, etnias e aparentes classes sociais diferentes, então ali em um quarto a bebida sagrada é tomada.

Com seu primeiro encontro aparentemente decepcionante, por não ter sentido todas aquelas alucinações afirmadas por muitos, calculou que as substâncias talvez estivessem menos diluídas na beberagem. Entretanto ao chegar em casa vomitou muito, e após se alimentar e beber muita água, dormiu bem tarde, porém acordou cedo e com uma estranha disposição invejável. Decide assim ter sua segunda experiência, as sensações e decepções foram aparentemente iguais, entretanto o gosto pelos hinos, lembrados ao poucos ao longo do dia lhe chamam a atenção, e então decide conhecer Mapiá.

Alguns dias antes de sua viagem, o autor resolve fazer sua terceira e displicente visita ao Céu Maria, sentindo-se desta vez como se fosse um membro honorário da casa. Entretanto, desta vez foi diferente, obteve muitas alucinações descritas como sendo uma “fresta” que o Santo Daime lhe permitira espiar, onde ele relata sua sensação dizendo : “ Vejo - para ser mais exato –imagino ver - cenas corriqueiras de infância sucedendo-se tão depressa que , ao contemplar a seguinte, já esquecera a anterior; depois vi as constelações mais próximas à medida que me afastava numa trajetória espiralada até ter, diante dos olhos, a galáxia inteira.”



O fuso que vigora no Vale do Mapiá não existe em nenhum outro lugar no mundo, pois enquanto em Rio Branco são dez horas, são onze em Manaus, em Apiá o relógio marca dez e meia, e esta peculiaridade é vangloriada pelos mapienses. A vila é habitada por cerca de mil pessoas e se encontra ao longo igarapé menor, um afluente do rio Purus.

O Daime foi criado no final dos anos de 1950 e revê como seu fundador o Mestre José Gabriel da Costa, que era um seringueiro que havia travado contato com o chá sagrado, e então decidiu criar um credo sob forte influência do espiritismo. E assim esse credo foi se expandindo e caindo no gosto de muitas pessoas de diferentes etnias e classes sociais, tornando o Daime um credo famoso com vários pontos distribuídos pelo Brasil e com alguns pontos do mundo como Madrid, Tóquio, Amsterdã, Estados Unidos e outras cidades estrangeiras.



O símbolo da doutrina daimista é uma estrela-de-davi com uma águia e meia lua no interior. Sendo que eles consideram possível ser católico, judeu ou muçulmano e daimista ao mesmo tempo, já que o chá é considerado apenas um veiculo de acesso às mais variadas percepções da divindade, o Santo Daime em tudo se soma.

Finalmente o autor prova do Santo Daime de Mapiá um uma cerimônia de casamento, onde relata ter ingerido quatro ou cinco copos. Passa a noite tranquilamente, ao contrário de muitos que vomitavam desenfreadamente e até pessoas que incorporavam espíritos, sendo que ao questionar o Padrinho ouve que o Daime da região é mais fino, sem que ele deixasse claro se o produto era de melhor qualidade ou se era capaz de surtir efeitos sutis.

Algo que chama bastante a atenção do autor são as condições precárias de Mapiá, onde reinam ainda doenças precárias como o tétano, malária, plasmodium e outros. Quase todas as pessoas de Mapiá já foram vitimas de malárias, muitos mais de uma vez e algumas até mais de trinta vezes.



A cultura do Daime segundo o autor é muito mais do que uma droga que causa alucinações, não se restringe de maneira alguma aos efeitos bioquímicos da droga no córtex cerebral. Trata-se de uma viagem para fora da realidade exterior, é como sonhar acordado, realiza-se uma viagem mental e espiritual de difícil descrição para tantos sentimentos e sensações.

Assim como qualquer outra religião ou seita, o Daime apresenta alguns depoimentos de fanáticos suicidas e de relatos negativos para a imagem da seita. Como qualquer religião, no Daime as pessoas também buscam refúgio e uma anestesia da realidade insuportável que nos conforte e distraia com o “silêncio eterno desses espaços infinitos”.




sábado, 27 de novembro de 2010

Os quatro pilares

Os quatro pilares da educação



De acordo com o Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional referente à educação, coordenado por Jacques Delors, é de suma importância que saibamos transmitir o conhecimento e o colocarmos em prática, adequando o ensino a nossa sociedade atual individualista, racional e que vive em um complexo e agitado mundo moderno, onde as pessoas vivem submersas em informações.

Para tanto, a educação deve se apoiar em quatro pilares fundamentais, sendo eles:



Aprender a conhecer:

Um meio para que cada um compreenda o mundo em que vive com o domínio de instrumentos do conhecimento e uma finalidade de vida onde há o prazer de conhecer, criando pessoas com senso critico e despertando a curiosidade intelectual, levando-as a continuar a aprender ao longo de suas vidas.



Aprender a fazer:

A qualificação profissional já não é o bastante, sendo importante a competência pessoal, sendo necessário que a pessoas aprendam a colocar em prática os seus conhecimentos.



Aprender a viver juntos:

Para termos um mundo de cooperação em prol do progresso da humanidade, devemos aprender a viver com as inúmeras diferenças que existem, acabando com o preconceito e com a violência que utilizam a tecnologia moderna de destruição.



Aprender a ser:

A educação tem o papel de preparar e desenvolver as pessoas por completo para que tenham seus próprios pensamentos críticos, seus próprios juízos de valor, seu discernimento e sentimentos para que possamos aproveitar todas as conquistas e avanços já feitos para progredir ainda mais.



Texto de referência: “Educação: um tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI” – Jacques Delors, 1996

Crítica à modernidade


Modernidade

Hoje em dia discute-se muito se estamos ainda na modernidade ou na pós-modernidade. Porém vai além do seu significado linguístico, trata-se de uma questão polissêmica, que abrange vários fatores, desde a psicanálise até a estética. Estas leituras provêm principalmente dos Estados Unidos e da França, que defendem o termo pós-moderno e moderno, respectivamente. Isso se dá devido ao contexto histórico de cada país e seus desdobramentos: Na Europa foi onde se construiu a modernidade, e portanto, onde existe um maior desdobramento de suas características partindo dos mesmos pressupostos; já nos Estados Unidos, descreve-se como pós-modernidade referindo-se a uma oposição à modernidade, uma ruptura fruto do modelo da cultura norte-americana.
Existem ainda outros termos como “supermodernidade”(Georgies Balandier), “modernidade tardia”(Anthonie Giddens) ou “modernidade reflexiva”(Ulrich Beck), que exprimem todos uma descrição diferente de encarar, mas os pressupostos são os mesmos.

Para entender melhor a psicanálise dentro da modernidade, discute-se o auto-centramento do eu e da consciência, pondo o homem no centro do mundo. Portanto, a individualidade é a característica fundamental que a define, diferenciando esta de toda a era submissa à “totalidade do cosmos” e aos dogmas de Deus, em que o indivíduo se submetia às tradições.
Na modernidade, o indivíduo passa a ter valor próprio, criando uma teoria de sentimentos e uma estética, que colocam o eu em uma posição central, representando a individualidade como uma massa de sentimentos centrada no eu. Ou seja, a relação com o outro e consigo mesmo oscila, assumindo uma posição narcisista; e o liberalismo tem papel na definição dos ganhos e perdas da individualidade e na demarcação de territórios das relações com os outros na sociedade.
Nesse contexto, a ciência passa a representar a verdade em detrimento das discussões filosóficas e teológicas, atribuindo ao homem soberania e autonomia diante da natureza e dos dogmas divinos, sendo a tecnologia o instrumento de exercício da sabedoria e prova da verdade pela razão científica. Isso quer dizer que o homem passa a se auto-afirmar onipotente no universo, independente e livre da cultura da Antiguidade.

Modernismo

No modernismo, essa onipotência passa a ser questionada, iniciando-se a suspeita da consciência. Três foram os anunciadores dessa ruptura: Nietzsche, no campo das verdades, afirmando que estas são produzidas pelas relações de força entre os homens, em detrimento da soberania do eu na razão; Freud, no campo das pulsões, que descentraliza a sexualidade do consciente, colocando o eu à mercê do inconsciente; e Marx, no registro econômico, afirmando a descentralização da consciência na política e na economia, representado pela luta de classes.
Ou seja, o eu perde sua soberania e a consciência passa a ser encarada como um jogo de forças, o que se faz criar atração pelo que é novo, abrindo a cabeça do homem para um um mundo além da sua própria razão. Essa é a segunda marca do modernismo, num mundo em transformação contínua, a atualidade se torna essencial para guiar o indivíduo no campo social. Isso corresponde dizer que o modernismo foi uma crítica à modernidade, assim como a invenção da psicanálise.

Desejo
Um dos fatores fortemente correlacionados à descentralização do sujeito foi a descoberta do inconsciente, enunciada por Freud como a terceira ferida narcisista da história, antecedida pelo detrimento da Terra como centro do universo (heliocentrismo) e pela prova da espécie humana como parte de uma evolução (darwinismo).
Com a descentralização, entra em cena o desejo. Este pode ser figurado como algo que move o sujeito à busca, ao mesmo tempo em que este objeto lhe foge do alcance. O desejo é o valor fundamental do modernismo, ligando-o ao fascínio pela atualidade e novidade e influindo em duas figuras: o movimento artístico da vanguarda e a revolução, no contexto político. Isso mostra que foi o desejo o motor dos processos revolucionários que transformaram a sociedade do século XX.
Nesse contexto, encontra-se um paralelo entre o desamparo como produto da modernidade e o fascínio pela transformação, fruto do desejo e descentramento. O modernismo revela a problemática dessa subjetividade, ou seja, “o modernismo é um sintoma da modernidade”.

Figura Paterna

Como Freud enunciou, o desamparo se impõe como produtor e sintoma de perturbações psíquicas, contrariando a ideia de um indivíduo da modernidade que poderia dominar o mundo. Além disso, o desamparo não é algo que possa ser eliminado instantaneamente do sujeito, o que evidencia a imanência daquele à sociedade.

A partir disso, Lacan, em “Os complexos familiares na formação do indivíduo”, enunciou a relação que haveria com a imagem do pai na sociedade Ocidental e o desamparo produzido na modernidade. Seguindo essas duas leituras, pode-se perceber que a transformação da estrutura familiar que restringe o poder paterno é reflexo da dessacralização e extinção da figura teológica de Deus; ou seja, que o desamparo é resultante da “morte de Deus” e de dos produtos da modernidade.

O ser humano foi deixado à própria sorte, vítima das doenças nervosas e sem o amparo do pai (aqui figurado como a imagem desfalecida de Deus), constituindo a partir desse desamparo, sua base existencial. Apesar de haver várias leituras sobre a definição e desencadeamento da modernidade, a condição do sujeito da modernidade é sempre trágica, e, por essência, fundamentada pelo desamparo.



Texto de Referência: "A psicanálise e a crítica da modernidade”. IN: BIRMAN, Joel, Arquivos do mal-estar e da resistência.